O
soldado do cangaço
Carlos
Bahia & João Telles
Jesuíno era um soldado do exército
brasileiro que participou da guerra de Canudos e que acabou sendo preso por Antônio
Conselheiro. Depois de dois anos como prisioneiro, ele se rendeu à causa de
Conselheiro e entrou em sua guerra. Aprendeu diversas táticas de guerrilha e
batalha antes de se tornar comunista. Espiando o sol, que no sertão nordestino
tirava a água das plantas quase mortas, Jesuíno ia caminhando pela caatinga
procurando uma gota d’água ou um pedaço de carniça. A cada passada que ele
dava, o seu pé ia quebrando os galhos secos no chão, e seus negros dedos
afastavam as moitas do caminho, até que, de dentro do mato seco, ouviu-se um
tiro de espingarda. Jesuíno pensou consigo mesmo: “Oxente, o que foi isso? Será
que eu tô malucando?”. Com esse pensamento no juízo, ele foi se avizinhando do
lugar do tiro. Quando sua vista alcançou o responsável pelo disparo, ele se viu
testemunhando um assassinato. Lá havia um homem alto, acocorado com a
espingarda na mão, e outro cabra montado em um alazão branco com a crina preta
e músculos que até um cego pode ver. Encostado em uma árvore, podia-se ver o
corpo de um preto descamisado e com a calça acochada e esmolambada. O atirador
agora levantava-se e andava em direção ao seu companheiro no cavalo.
-Pronto, homi. Esse preto brabo não
vai mais azuretar nosso juízo. Borimbora, João. – falou o cabra da espingarda
para seu companheiro.
-Entocis bora, Alemão. A gente tem
ainda que apagar o roteiro desse escravo.
Os dois cabras já tinham ido embora
quando Jesuíno falou:
-Que diabéisso? Aquele cabra tinha
que tá muito brabo pra meter chumbo num preto desse jeito.
Depois disso, Jesuíno tomou seu
rumo de novo. Depois de caminhar muitas horas com sua alpercata rasgada, ele
chegou a uma pequena capela feita de palha e barro e gritou com a voz
morrinhenta:
-Ô de casa!
Um
homem gordo, vestido de padre com um copo de cachaça na mão, abriu a porta da
igreja e falou:
-O que você quer, meu filho?
-Ô meu padre, será que vossemecê
tem um tanto d’água pra mim dar?
-Desculpe, meu filho, água não
tenho não! Mas tenho cachaça a boléu.
-Serve também, nhõ padre.
-Então não se avexe não. Vamo entrando.
A
igreja era bem precária por dentro. Lá havia alguns cepos espalhados para quem
quisesse ver a missa, um altar no fundo com a cruz pendurada na parede, algumas
velas apagadas dentro de castiçais pendurados na parede e tudo era iluminado
por um buraco no teto de palha, de onde vinha a luz do sol escaldante. O padre
gordo entrou em uma camarinha e trouxe dois barris grandes de cachaça.
-Vamos beber!-falou o padre.
-Obrigado, meu padre. Deus lhe
pague!
-Me chame de Fabriciano, cabra.
Depois
de muito enfiarem aguardente nos gorgomilos, Jesuíno arranjou um canto para
passar a noite, em cima de uma alcatifa. No dia seguinte, Jesuíno acordou pelos
barulhos de gritos fora da igreja. Lá ele viu o padre Fabriciano falando aos
berros com os dois cabras que Jesuíno viu antes de achar a igreja.
-Ô seu fio de rapariga, seu padre
dos infernos! Vossemecê me deve dinheiro!- falou o homem chamado João.
-Tenha fé em Padim Ciço, home! O
futuro a Deus pertence- falou o padre calmamente.
-Pois se vossemecê não me der o
dinheiro agora, vai saber do futuro com o próprio senhor.
-Me dê mais um dia! Eu lhe imploro
por mais um dia.
-Então, como garantia, eu vou botar
fogo nessa sua igrejinha.
Jesuíno
saiu de trás da porta, e foi para o lado do padre e falou:
-Por favor, moço, aceite esse
trocado como garantia. Deixe a igreja do padre em paz.
-E quem vossemecê é?-falou o cabra
chamado Alemão.
-Eu sou coroinha do padre.
-Então amanhã nóis vem pra pegar o
dinheiro. Borimbora, Alemão.
Os
dois cabras foram embora, e sumiram no meio do mato. O padre soltou um suspiro
de alívio e perguntou a Jesuíno:
-De onde tirou essas moedas, home?
-Eu tava guardando para comprar um
punhado de comida.
-Muito agradecido por vossemecê
proteger a minha humilde igreja
-Uma mão lava a outra. Mas, seu
padre, quem é aquele cabra?
-O cabra mais alto, o barbudo de
cabelos ruivos e branco feito farinha é chamado como Alemão. O baixinho quase
anão, careca e barbudo que nem Antônio Conselheiro, com aquele jeito brabo de
ser se chama João.
-E o que lhes dão direito de robá
dinheiro do sinhô?
-Eles acham que essas banda são
tudo dele. Ele faz isso com todo mundo por aqui. É um ingrato por tudo que fiz
por ele. Aquele preto que você viu morrer, não pagou a eles, acabou morto.
-Pois então tá. Fico muito
agradecido pela cachaça e pela hospedagem, mas tenho que seguir o meu rumo.
-Vá pela sombra, meu fio.
Jesuíno
entrou no mato e em pouco tempo desapareceu. Depois de muito tempo de
caminhada, a lua apareceu e o sol se escondeu. Jesuíno, mesmo cansado, continuou
a caminhar. Pouco tempo depois, ele se viu num pedaço de terra grande com uma
enorme plantação de mandioca do tamanho de um campo de futebol e tantas cabeças
de gado que a vista não alcançava o final. No meio de tudo isso havia um
casarão onde se podia ver dois homens sentados em redes. Quando Jesuíno apertou
mais as vistas, conseguiu ver que os dois homens se tratavam dos cabras que
tinha visto mais cedo. Um sentimento de raiva subiu ao juízo de Jesuíno, que
tirou o facão da bainha, e foi se avizinhando do copiar onde os cabras estavam.
Mas antes que pudesse se aproximar, dois pretos com enxadas surgiram em sua
frente. Ele tentou um golpe com o facão, mas de repente sentiu um aperto no
peito. Quando olhou para baixo, viu que se tratava de um tiro de espingarda que
veio de Alemão no copiar. Jesuíno caiu como uma pedra e suas vistas
escureceram. Depois disso, ele só sentiu um empurrão pra lá, um puxão pra cá, e
quando acordou estava em uma camarinha com somente um candeeiro iluminando o
quarto. Em sua frente estavam João e Alemão.
-O que estava fazendo aqui,
Coroinha?- perguntou João.
-Eu... Eu... Eu vim aqui pra tirar
satisfações do dinheiro do padre.
-Pois então foi aquele usurpador
que te mandou aqui, não foi? Vamo falar com ele.
Logo
depois, um preto entrou com o padre Fabriciano amarrado e todo estrupiado.
-Padre... - gritou Jesuíno em tom
de preocupação- O que fizeram com ele?
-Nós fomos naquela igrejinha e
tocamos fogo em tudo. Há há há!!!- falou Alemão
Em
sua frente, João arrancou um facão da bainha e cortou o pescoço do padre.
Jesuíno soltou um grito de raiva, balançou- se para sair da cadeira. Mas os
dois cabras safados continuaram a rir. Logo depois, Jesuíno lembrou-se de uma
faca atrás das calças, tirou-a e cortou as cordas, levantou-se como um raio e
arremessou a faca na cabeça de Alemão, que caiu morto. Com um golpe rápido,
soltou um murro na cara de João e tirou o facão da sua mão e enfiou na barriga
do preto.
-O que foi isso?- sussurrou João
quase cagado de medo- Tenha piedade de mim, homi!
-Mas vossemecê não teve piedade do
pobre padre Fabriciano. - falou isso e cortou-lhe o pescoço. Saiu da camarinha
e botou fogo em tudo.
Após
queimar a casa de João, Jesuíno passou a noite no curral daquela fazenda. Na
manhã seguinte ele soltou os gados e saiu montado no alazão branco de João. Foi
até a pequena capela de Fabriciano, onde teve uma surpresa. Lá ele encontrou
uma família negra chorando na porta da pequena igreja. O homem, alto e forte
como um boi e careca com olhos negros, notou a nova presença e se virou
rapidamente berrando:
- Foi o senhor que tacou fogo na
igreja do padre?
-Não. Esse daí tá caído morto em
sua própria terra!
-Morto?
-Isso mermo, eu matei aquele fio de
quenga!
-Mas foi o senhor João que tacou
fogo aqui? Eu era escravo dele. Então me deixa me apresentar. Eu sou Fabiano.
Minha muiér Ivone e meus dois fio Júnior e Vicente.
-Prazer, Jesuíno, ao seu dispor.
Você tem algum pedaço de terra?
-Tenho não.
-Então a terra de João é toda sua.
-Vossemecê fala sério? Fico muito
agradecido.
-Não tem de quê!
Assim
Jesuíno seguiu seu rumo se tornando depois o primeiro Lampião.
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