RAUL SEIXAS: O
INTRUSO NA RAÇA HUMANA
Por:
Thiago Maron de Azevedo
Victoria
Lima d’El-Rei Fraga
“Prefiro
ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre
tudo, eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes, eu prefiro ser essa
metamorfose ambulante”
“Eu
do meu lado, aprendendo a ser louco, maluco total na loucura real, controlando
a minha maluquez, misturada com minha
lucidez”
“Eu
sou a luz das estrelas, eu sou a cor do luar, eu sou as cores da vida, eu sou o
medo de amar”
“Eu
que não me sento, no trono de um apartamento, com a boca escancarada cheia de
dentes, esperando a morte chegar...”
Por
mais que tentemos trazer a energia incansável para palavras ou pensamentos,
nada irá nos contagiar e expressar sua maluquice
embelezada, com tanto êxito quanto suas eternas músicas e máximas, que não
são uma “metamorfose ambulante”, e continuam até hoje sendo vistas como arte.
A
marcante voz de Raul Santos Seixas foi ouvida pela primeira vez através de seu
choro em 28 de junho do ano de 1945, na cidade do Axé, enquanto chegava ao
mundo para conquistar milhões de fãs.
O
privilégio de acompanhar a vida de Raul desde seu início foi exclusivo do
austero engenheiro Raul Varella Seixas, e da dona de casa Maria Eugênia Seixas,
e ainda de seu irmão mais novo, Plínio Santos Seixas, que ao contrário do
Maluco Beleza, seguiu a vida escolar exemplarmente.
A
infância do então futuro astro do rock foi marcada por problemas escolares e
pelo seu fanatismo excêntrico por Elvis Presley, que foi o principal e talvez
único ídolo motivacional para o sucesso de Raul.
As
dificuldades de Raulzito nos estudos se iniciaram no Curso Primário na Escola
Particular da professora Sônia Bahia, entre 1952 até 1956, quando fundou o Club
dos Cigarros.
Ao
terminar o curso primário, vai para a segunda série do ginásio do Colégio São
Bento, onde repetiu por 3 anos, em consequência de matar aulas visando ouvir Rock-and-roll
na loja Cantinho da Música.
Após
várias tentativas de passar de ano em vários colégios, sem êxito, funda seu
segundo e mais marcante Club, Elvis Rock Club com Waldir Serrão, seu parceiro
por muitos anos.
Em
1965, com 20 anos, após passar pelo Colégio Marista e Ipiranga, abandona os
estudos e decide se dedicar apenas à sua carreira musical, que já havia se
iniciado em 1962, ao criar seu primeiro grupo de Rock: Relâmpagos do Rock. Com
tal banda, faz breve apresentações na Tv Itapoan. Um ano depois, insatisfeitos
com o nome Relâmpagos do Rock, o trocaram por The Panthers, e futuramente,
Raulzito e os Panteras, grupo com o qual gravou em estúdio pela primeira vez,
com a música Nanny, de Gino Frey, e também Coração Partido, composta por seu
pai. Tais músicas ganharam repercussão um tempo depois de seu lançamento,
fazendo a jovem banda crescer ainda mais. Por conta de shows pelo interior da
Bahia, torna-se o grupo de rock mais caro do estado.
Juntamente
ao sucesso e fama, vem a adoração das mulheres e suas obsessões. Com isso,
breves relacionamentos e polêmicas envolvendo garotas se tornam constantes na
vida de Raul, que ironicamente se apaixonou por Edith Wisner, mulher americana
que a pedido dos pais e por vontade própria, fez Raulzito parar com a vida
artística e reatar com os tão odiados estudos. Encandecido pelas chamas do
amor, e pondo sua amada a frente de tudo que já havia sido construído em sua
vida, decide fazer supletivo e presta vestibular para a faculdade de direito.
Toda sua personalidade anormal, parecida ter vindo de Marte, se acanhou diante
das infinitas páginas de livros de direito. Por conta de tal dedicação, passa
entre os primeiros colocados.
Encantado
consigo mesmo e cheio de confiança, tem o pedido de casamento aceito por Edith,
e necessitando um sustento para viver, passa a dar aulas de inglês e violão.
Jerry
Adriani, um renomado músico da época, convoca Raul para uma de suas turnês pelo país,
e após muita insistência, larga a monótona vida de estudante exemplar e parte
para seu tão querido estilo de rockeiro punk, do cabelo crespo e volumoso, da
roupa decotada e dos gritos voluptuosos e estridentes. Animado com a ideia de
poder ressurgir no passageiro mundo da música, decide reunir novamente o grupo
Raulzito e os Panteras, com o qual, também a pedido de Jerry, vai para o Rio de
Janeiro servir como banda de apoio. Posteriormente ao carnaval de 1968, animado
com a reintegração do grupo, lança seu primeiro LP, com o “criativo” nome
Raulzito e Os Panteras.
Extremamente
desiludido pela falta de sucesso e pela ausência de seus antigos assíduos fãs,
volta para Salvador sem esperanças de um dia alcançar o estrelato.
Em meio a
seus colegas de estudo de filosofia, estava Evandro Ribeiro, diretor da
gravadora CBS. Aos poucos, a parceria dos dois aumenta, a ponto de Raul ser
convidado para ser produtor de discos da CBS. Mais uma vez, desce para o Rio de
Janeiro, mais uma vez, com Edith, e mais uma vez, produz com Jerry Adriani,
além de Trio Ternura, Tony & Frankie etc.
Ainda
no Rio, em 19 de novembro de 1971, tem sua primeira filha, Simone Andréa Wisner
Seixas.
Vivendo
entre pessoas famosas ligadas à carreira musical, testemunhando gravações de
discos e clipes, Raul sente-se tentado a gravar um novo LP, desta vez, pela
CBS. Com o pedido negado pela produtora, decide produzir sua mais nova “arte
musical” escondido de todos aqueles que poderiam demiti-lo, e com uma invejável
perseverança e ousadia, consegue lançar “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista”. O
LP, por conta da sua forma de execução, apresentou defeitos constrangedores e
uma qualidade demasiadamente baixa. Para gravar o back vocal de tal LP, eram
chamados os porteiros, faxineiros e muitos outros subordinados da CBS, o que
comprometeu o sucesso da produção. Apesar de todos os esforços para a
permanência de Raul na produtora, o mesmo foi expulso severamente.
Em
1972, com a vida mais ativa, se classifica no Festival de Canções da Globo com
as músicas Let Me sing Let Me Sing e Eu sou Eu, Nicuri É O Diabo, descobrindo
aí sua preferência de gênero musical: uma mistura de rockbilly com ritmos
nordestino. Após a façanha, desperta o interessa de várias gravadoras, mas a
Phillips Phonogram ganha a disputa e lança o compacto Let Me Sing Let Me Sing e
Teddy Boy, Rock e Brilhantina.
Com
o tempo, o nome Raul Seixas foi ganhando fama mundial em consequência de suas
rebeldes letras musicais e seu estilo diferenciado de viver. Em 1973, Raulzito
conhece seu futuro eterno parceiro, Paulo Coelho, redator da revista
Underground A Pomba. Em junho de tal ano, lança o primeiro LP pela Phillips,
que curiosamente foi o primeiro LP gravado em condições ideais; o
reconhecidíssimo Krig Ha, Bandolo.
A
amizade com Paulo se transformou na criação de uma sociedade alternativa, onde
ambos debatiam sobre questões extremamente alienadas e fora de um contexto
realístico.
Em
1974, envolvido em muitas polêmicas sobre manifesto, se exila para os EUA
com Paulo Coelho, Edith e Adalgisa Rios.
Lá, Raul tem a chance de realizar seu sonho de infância: visitar a casa de
Elvis Presley, seu ídolo desde sempre para sempre.
Em
julho, Raul retorna ao Brasil já com a saúde debilitada por conta das drogas
apresentadas a ele por Paulo Coelho, e grava o LP e videoclipe Gita, que
mostrou a divisão do Maluco Beleza pelas ideias alternativas e a crítica social
(“eu estava sendo um cristo, botando para fora um Jesus que há em mim e que já
me fez gostar de sofrer pelas pessoas”), ganhando o Disco de Ouro
merecidamente. Por conta do envolvimento com as drogas e da constância de
problemas familiares, separa-se de Edith, que por sua vez, volta aos EUA com a
filha do casal.
Passa
a ter crises alcóolicas, e se envolve com a irmã do guitarrista de sua banda,
Glória Vaquer. Como já era esperado, casam-se, e um ano depois, em 16 de junho
de 1976 nasce no Rio a filha do casal, Scarlet Vaquer Seixas , que após a
separação dos pais, um ano depois do casamento, vai morar com a mãe Glória nos
EUA. No mesmo ano assina contrato com a nova e recém fundada gravadora WEA, ao
lado de seu velho amigo Cláudio Roberto. Com tal gravadora, a magnitude dos
trabalhos de Raul se expandem ainda mais, e o mesmo lança diversos sucessos,
como o até hoje reconhecido vídeo clipe “Maluco Beleza”.
A
relação entre Raul e a gravadora se tornou nem tão amigável após acusações
vindas por parte do músico a André Midani,
a quem alega escolher produtores desqualificados para produção de suas
músicas. Insatisfeito com a “compreensão” da gravadora, Raulzito decide
rescindir o contrato e voltar para CBS,
em 1980, desta vez numa posição mais valorizada. Em pouco tempo, foram gravadas
diversas canções, e curiosamente davam ênfase ao erotismo e questões menos
alternativas.
Em
meio as mudanças culturais repentinas e o crescimento da dominância juvenil,
Raul sente estar vivendo em um lugar que não “fazia seu estilo”, e o mau-humor
se tornou o resultado da alienação realística do mesmo.
Ainda
que tivesse passado alguns meses numa fazenda na Bahia para se recuperar dos
problemas provocados pelo alcoolismo, em 1978, Raul permaneceu envolvido com
tais substâncias fatais, o que não impediu o breve relacionamento que teve com
Tânia Menna Barreto. Logo após o fim da parceria amorosa com Tânia, Raul
envolve-se com Ângella Maria Afonso Costa, com quem tem uma filha, Vivian Costa
Seixas.
Quando
ainda era pai de apenas 2 crianças, em 1980, faz uma operação em São Paulo, que
resultou na retirada de metade do seu pâncreas. Percebendo que os problemas de
saúde aumentavam, foi logo morar em São Paulo.
Em
15 de maio de 1982, Raul foi expulso de seu próprio show em Caieras, ao ser
confundido com um impostor de si mesmo, chegando a ser espancado por delegados
e policiais.
Um
ano depois, sem motivos concretos e/ou válidos, abandona a CBS e assina
contrato com a gravadora semi independente
Estúdio Eldorado, em 13 de fevereiro de 1983, e 13 dias depois volta aos
palcos com um estilo de rock n roll
primordial, na sociedade Esportiva Palmeiras.
Neste
mesmo ano, é lançado pela editora Shogun Editora e Arte, de Paulo Coelho, o
livro As Aventuras de Raul Seixas na
Cidade de Thor, o primeiro de muitos falando sobre a polêmica vida do
Maluco Beleza, que ganhou seu segundo disco de ouro e 1984. Animado com a ideia
de fazer um “trabalho preto e branco” para estrear em sua nova gravadora, Som
Livre, Raul decide aproveitar o já produzido Metrô Linha 743, que visava
expandir a imaginação do público, e
ironicamente, tirar a monotonia do colorido.
Seu
penúltimo relacionamento, com Tânia, foi se rompendo aos poucos, e a saúde de Raulzito piorava a cada dia por
conta de seu envolvimento obsessivo com as drogas. Como já fora feito em 1978,
vai a sua cidade natal para recuperação,
e pouco tempo após, retorna a São Paulo com uma nova companheira, Lena
Coutinho.
Com
os fãs no aguardo de novidades estrondosas e que dariam o que falar, o mundo da
música parecia se trancar a novas propostas “Raulseíxicas”, impedindo que
tomássemos mais um banho de cultura e de críticas sociais por intermédio de
suas músicas. Porém em 1985, no estado de São Paulo, o fã clube de Raul Seixas
(Raul Rock Club) lançou o álbum Let Me Sing My Rock And Roll, que tempos depois
foi híper valorizado por amadores e colecionadores das obras do cantor e
compositor baiano.
Apesar
dos diversos e constantes problemas de saúde, Raul reúne forças para produzir
um de seus últimos LPs, o Uah Bap Lu Lah Béin
Bum!, que foi lançado com um ano de atraso, e trazia nas letras a sua
alma de rockeiro (“eu fiz esse disco
para os rockeiros ouvirem, para eles não deixarem o rock n roll morrer...”)
Em
1988, para reafirmar sua permanência no mundo da música, lança o álbum A Pedra
do Gênesis, que falava sobre uma de suas velhas ocupações, a Sociedade
Alternativa.
Após
uma série de 50 shows por todos os lados do Brasil juntamente a Marcelo Nova,
Raul lança seu último e não menos importante LP em 19 de agosto de 1989, A
Panela do Diabo.
Em
21 de agosto de 1989, Raul falece em seu
apartamento na zona central de São Paulo as 7 horas da manhã, em consequência
de uma parada cardíaca, ocasionada pela sua velha pancreatite aguda.
Neste
dia, o falso ser humano abandonou no
planeta terra seus meros discípulos mortais, e voou como uma mosca em seu
poderoso disco voador para algum cantinho do universo, onde todos são malucos,
embelezados, sem uma opinião formada, e que vivem cada segundo como se fosse o
último de suas vidas.
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