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"Desafios"

"A verdadeira medida de um homem não é como ele se comporta em momentos de conforto e convivência, mas como ele se mantém em tempos de controvérsia e desafios"

Martin Luther Kink Jr

domingo, 4 de maio de 2014

O Magnífico Artista
Ana Elizabete
         "E nada como um dia após o outro pro meu coração. E não vale à pena ficar, apenas ficar chorando, resmungando até quando, não, não, não." E como já dizia Jorge Maravilha: " Você não gosta de mim, mas sua filha gosta".

         O famoso Jorge Maravilha ficou famoso pelo mundo todo, e mais famoso ainda ficou o dono desse pseudônimo, Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido como Chico Buarque (19 de Junho de 1944, Rio de Janeiro), 4º filho do historiador Sérgio Buarque de Hollanda e da pianista amadora Maria Amélia Alvim Buarque. Cresceu cercado de intelectuais e desde pequeno foi intensamente influenciado pela arte, quando escutava músicas carnavalescas do radinho de sua babá e quando ficava horas na biblioteca de seu pai. Brincava com seus irmãos e gostava de criar filmes em caixa de sapato.
         Uma grande influência para Chico foi Vinicius de Morais, amigo de seu pai. O intelectual era apaixonado por literatura, lia livros de autores franceses, alemães e russos, considerados inadequados para sua idade. Sempre adorou rock e teve grande influência estrangeira, por outro lado admirava Noel Rosa, Ismael Silva e Ataulfo Alves. Aos 14 anos começou a compor, mas só aos 15 teve sua primeira composição "verdadeira", " Canção dos Olhos". Em 1961 apresentou "Marcha para um dia de sol" em um show estudantil.
         Nesta época o Brasil passava por um momento de grande desenvolvimento econômico, que despertava discussões aos rumos que o país devia tomar, principalmente na política.
         Apesar de ter achado sua fonte de inspiração para seus sambas, valsas, marchinhas e principalmente para suas composições, Chico sabia que tinha que continuar os estudos, assim, fazendo faculdade de letras aos 19 anos, porém desistiu por gostar de arte e acabou prestando vestibular na FAU em São Paulo. Foi perdendo o interesse pelos estudos, já que queria mesmo era cantar, compor e escrever letras como suas maiores influências, João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Morais.

         Em 1964, a esperança, liberdade e direitos foram cortados do povo da pior forma que alguém seria capaz de imaginar. O golpe militar foi deflagrado e os militares tinham total poder e representatividade diante do desenvolvimento político do país. Além disso, foi uma época marcada pela censura, e pela falta de opção, tanto política, quanto social dos brasileiros. Vários músicos, artistas e poetas tiveram que enfrentar a censura, os jornais, trocavam as notícias importantes por receitas, para mostrar que os militares estavam no poder e o povo tinha perdido, inclusive detinham e puniam qualquer um que se opusesse contra esse governo.
         Quando o Compositor apresentou "Canção dos Olhos" no programa Primeira Audição, gravado pela Record, decidiu se dedicar apenas a sua música e deixou o curso de arquitetura. Depois disso, Chico foi convidado a se apresentar no programa O Fino da Bossa, cantou "Tem mais Samba", música que marcou o início da sua carreira. Este programa lançou grandes artistas como Nara Leão, Elis Regina e entre outros.
         No seu primeiro disco, a música "Pedro Pedreiro" conta a história de um operário que espera uma vida melhor. Ele citou a palavra 'esperando' várias vezes, para representar a musicalidade de um trem.
         Foi em um show estudantil que conheceu Gilberto Gil e Caetano Veloso, grandes representantes do tropicalismo, movimento musical que sacudiu o ambiente da MPB de 1967 a 1968. Além de participantes da tropicália, Gil (26 de junho de 1942) e Caetano (07 de agosto de 1942) tiveram grande influência na vida política do país, já que suas músicas eram extremamente contra o regime, já que foram censuradas várias vezes, até presos em 1968 e exilados para Londres de 1969 a 1972.
         O compositor foi chamado em 1965, por Paulo Freire para musicar a peça "Morte e Vida Severina" (João Cabral de Neto Melo). O espetáculo fez tanto sucesso com sua naturalidade de texto mais a qualidade das músicas, que venceu o Festival de Teatro Universitário de Nancy, França.
 "A minha gente sofrida despediu-se da dor, pra ver a banda passar cantando coisas de amor", foi com "A Banda" interpretada por Nara Leão, que Chico dividiu o primeiro lugar com "Disparada" de Geraldo Vandré no II Festival de MPB da TV Record em 1966. A partir daí, a vida do grande músico começou a mudar. Ele passou a viver apenas da música, e "A banda" foi tão adorada que vendeu milhões de cópias, traduzidas para várias línguas e até tocada para a troca da guarda de honra do palácio de Buckingham, Inglaterra.
         Com todo esse sucesso Chico Buarque gravou seu primeiro LP e seu nome foi aprovado no conselho superior de MPB do MIS- Rio de Janeiro. Ainda em 1966 teve sua primeira desavença com a censura, visto que a canção "Tamandaré" não pode ser tocada por criticar a desvalorização do cruzeiro novo.
Chico participou de muitos programas de televisão e rádio, e foi em um desses que conheceu Tom Jobim e tiveram sua primeira parceria com "Retrato em Preto e Branco", canção composta por ambos. Foi nessa época que conheceu sua primeira mulher, a atriz Marieta Severo e juntos tiveram três filhas a Silvia, Helena e a Luísa.
         Finalmente, no ano de 1967 lançou seu segundo LP, e recebeu o título de cidadão honorário paulistano. Além disso, escreveu duas peças bem conhecidas como Roda Viva e a infantil O Patinho Feio.
         Nessa época, embora tudo parecesse um mar de rosas, o Brasil continuava em uma situação política muito difícil. O atrito entre estudantes e militares aumentava gradativamente, uma vez que havia a permanência da ditadura. Com isso o povo se mobilizou, mas principalmente os músicos, professores, intelectuais, mães e artistas, incluindo o próprio Chico, que participou da passeata dos Cem Mil, manifestação no Rio de Janeiro contra o regime militar.
         Desconfiado, o exército convocou Chico para esclarecer sobra Roda Viva, que foi considerada subversiva, tendo o teatro invadido e artistas espancados e sobre sua presença na manifestação.
         À medida que os anos foram passando, a vida política no Brasil não melhorou. No ano de 1968 o Ato Institucional 5 foi promulgado, trazendo consigo a legalização da tortura e o que mais afetou os artistas: a censura.
         A partir desses anos, os tropicalistas mudaram seu jeito de compor, escrevendo de forma inovadora, e Chico acompanhou essa mudança, compondo músicas sobre o cotidiano, rotinas e política, de forma poética, abandonando os temas nostálgicos.
         Os artistas tiraram proveito da "onda" dos festivais para protestar contra a política do país. Chico, como um artista muito adorado, continuava sendo muito premiado com suas canções entre elas "Sabiá", que apesar de ter  ganhado o II Festival Internacional a Canção, o povo protestou e ela foi vaiada.
         Como nem Chico "escapou" do AI-5,época em que muita gente, incluindo artistas famosos, foram presas e torturados, teve suas canções proibidas. Ele e Marieta, para fugir da real situação do Brasil, partiram em 1969 para França, auto-exilando-se, e só retornaram um ano depois, em 1970. Fazia shows, gravava discos, fazia apresentações nas televisões italianas e "A Banda" continuou fazendo grande sucesso. Porém como tudo que é bom dura pouco, o grande músico passou a ter problemas financeiros e para resolver esse problema pediu ao seu amigo, que também era violinista, Toquinho, que viajasse até Roma para fazerem shows, mas as apresentações foram um verdadeiro "fiasco". Até tentou gravar outro LP, tendo de compor às pressas. Por outro lado a gravação não o agradou, o que o carioca realmente queria era voltar ao Brasil, mas a censura a imprensa brasileira não permitiam.
         Mesmo com a censura, em março de 1970, Chico voltou ao Brasil dando de cara com um país totalmente alegre por causa da Copa do Mundo, com um sentimento nacionalista apoiado pelos generais, já que o governo se aproveitou da Copa para aumentar a propaganda favorável ao Regime e desviar a atenção das críticas.
 "Apesar de você amanhã há de ser outro dia, você vai se dar mal etc e tal". Diante disso, Chico escreveu "Apesar de você" e enviou para a censura e para a sua surpresa a canção foi aprovada. A música foi feita para o presidente da República o Médicci, ao AI-5 e a submissão em que os brasileiros viviam. Um jornal comentou a quem a música se referia e quando os militares descobriram, invadiram a fábrica da Philips e apreenderam todos os discos. Chico foi cruelmente interrogado e teve as letras de suas canções censuradas, e quase nenhuma de suas canções eram liberadas pela censura e as poucas que eram tinham seus títulos trocados e palavras substituídas.
 Mudou novamente o estilo de suas canções, quando se viu no dever de fazer um trabalho mais sério. No ano seguinte, as letras do seu novo LP, Construção, tratavam de temas mais realistas e do cotidiano. Seus problemas aumentaram quando os censores começaram a invadir seu camarim durante os shows e quando as intimações para depor começaram a chegar toda hora.
         Em 1973, no show com Gilberto Gil, a música "Cálice" foi proibida de ser cantada, cujo refrão " Pai afasta de mim esse cálice" representava a opressão em que os brasileiros estavam vivendo. Sendo assim, tiveram seus microfones e foram obrigados a se calarem diante da multidão.

         Diante de tantas canções vetadas e perseguição acirrada, para 'despistar' a censura, Chico criou o pseudônimo de Julinho de Adelaide, e foi com esse nome que a censura deixou passar canções críticas como "Jorge Maravilha", "Acorda Amor" e "Milagre Brasileiro". Assim que começou a fazer sucesso, a imprensa descobriu sua real identidade, então a polícia Federal decretou que todas as músicas enviadas para a aprovação da censura deveriam ter a cópia do RG e CIC (antigo CPF) do autor.
         Os militares consideravam absurdo discordar do regime e se expressar pela arte, e como os censores não lhe davam trégua Chico parou de fazer shows, de gravar e de escrever suas canções. Por outro lado gravou um disco cantando músicas de outros artistas: "Sinal Fechado".
         Como além de compositor, seresteiro, poeta, cantor, 'adaptador' de poemas para balé e 'recriador' de tragédias gregas, Chico também é escritor e para as crianças escreveu Chapeuzinho Amarelo, livro inspirado na sua filha Luísa, demonstrando o desejo das crianças crescerem livres e se medo. Também traduziu e adaptou "Os Saltimbancos", história da aventura de animais que fugiram de seus donos em busca de uma vida melhor.
         Com a volta da democracia, Chico voltou a gravar e se apresentar na TV. Em 1990 escreveu vários romances, como Estorvo que foi adaptado para roteiro cinematográfico. Anos depois foi homenageado pela escola de samba Mangueira, que acabou ganhando. 
  Chico Buarque tem o dom de extrapolar os tons e semitons, utilizar a metáfora e combinar notas e dissonâncias tonais, resultando em uma obra harmonicamente perfeita. Além disso, tem o poder de atrair o público feminino, com suas canções apaixonadas, delicadas e singelas, porém podemos encontrar "a mulher em Chico", e a razão desse eu- feminino está na ideia de que a mulher depende da conquista e no caso de suas músicas, pretende compartilhar algumas reflexões sobre quem as mulheres podem ser.
         Com tanto sucesso, não é à toa que Chico tenha ganhado prêmios importantes como o Grammy Latino de Melhor Canção Brasileira, Grammy Latino de Melhor Álbum de MPB e 3 prêmios Jabuti.
Sem dúvida, Chico é extraordinário em tudo que faz!